sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Era uma vez, 30 anos, uma rotina...

Hoje optei por colocar aqui um texto do Fernando Alvim.É um sr. da rádio, televisão e ainda por cima escreve bem e assuntos que interessam.
Este texto está aqui: http://esperobemquenao.blogspot.com/, no seu blog pessoal.

Então cá vai: (o texto é longo mas retrata bem o que eu penso)

“Há dias, numa viagem de comboio, folheando a minha agenda, reparei no caos geográfico das minhas deslocações nos últimos meses: “tenho mais quilómetros que um volkswagen dos anos 70”, murmurei (a rapariga que ia sentada no banco da frente, levantou os olhos do livro e olhou-me desconfiada).

De facto, mal paro em casa. Vazo os treze quilos de publicidade da caixa do correio, rego as plantas, trato dalguns assuntos pendentes e pronto, há que renovar o stock de roupa da mochila – boxers do pluto, t-shirts dos teletubbies, pijama do Marilyn Manson – e ala que se faz tarde.

Ora, nesse dia, tocou-me uma espécie de nostalgia por uma rotina que nunca tive: imaginei-me, inclusive, com 30 anos de casamento! Vi-me a acordar à hora certa no leito conjugal, a dar o primeiro chocho da manhã ao meu amor, a entrar na cozinha para o pequeno-almoço (de lágrimas nos olhos por causa de um pêlo que tentara, sem sucesso, arrancar do nariz), a dar o segundo chocho e a sair para o trabalho onde, salvo o almoço e umas idas ao snack do rés-do-chão para um piropo à empregada, um croquete e uma bica, passaria as oito horas da praxe. Seguir-se-ia o regresso a casa, um beliscão na nádega do meu amor e terceiro chocho do dia com a pergunta “o que é o jantar hoje?”, embora, às quartas, fosse invariavelmente coxas de frango com puré. Após refeição, seria só vestir os pijamas, ver a telenovela, o programa do Malato e cama (eu a vir do WC, olhos rasos de água, exibindo, orgulhoso, na pinça, o pêlo do nariz que finalmente conseguira arrancar). Deitados, já com a luz apagada, daríamos então o último chocho, este com alguma insinuação de língua, mas nada de especial, porque sexo só na segunda sexta-feira de cada mês (não somos nenhumas máquinas sexuais).

Manhã seguinte, despertador, eu a ir para o primeiro chocho do dia, mas agora a minha esposa tinha uns olhos enormes. “Porque tens esses olhos enormes?”; responde-me que “é para te ver melhor”. “Então e essa boca enorme?”: mostra, os dentes afiados, medonhos: “é para te comer”, e lança-se a mim, comigo a tentar fugir, “Não! Não! Não! Não!”.

“Acorde!, hei, acorde!”: a rapariga que ia sentada no banco da frente levantara-se e sacudia-me. “Isso é que foi um pesadelo, hum? Desatou para aí a gritar um não-não-não que metia dó”.

Voltei a pegar na agenda: Famalicão, Porto, Lisboa, Santarém, Bragança... O caos geográfico das minha deslocações era real. Felizmente. Quanto à nostalgia pela falta de rotina: tinha-se esfumado.”

1 Comment:

Pedro Magalhães said...

Muito sinceramente, preferia ser um Fernando Alvim a um homem com 30 anos de casamento...